A fala que não cala


A FORÇA DOS EMERGENTES NA NOVA ORDEM GLOBAL

13-02-2009 15:39

 

 

 
(*) José Nelson Bessa Maia*
 

 

 


Desde o fim da Guerra Fria, no início dos anos 90 do século XX, uma série de transformações vem ocorrendo no cenário mundial, alterando de forma rápida a configuração de poder econômico e político entre os estados-nação, com repercussões que se propagam nos âmbitos do comércio à segurança, dos direitos humanos ao meio ambiente, das finanças ao regionalismo, acelerando movimentos transnacionais, inserindo novos atores não-estatais e subestatais, gerando distintas configurações de poder e impondo novos desafios à governança global. Nesse contexto, torna-se obsoleta a noção de uma linha divisória entre os países ricos e desenvolvidos do Norte e os países pobres e em desenvolvimento do Sul, que foi por muito tempo um conceito central entre cientistas sociais, analistas econômicos e formuladores de políticas. Essa linha divisória perdeu o sentido em meio ao dinâmico processo de globalização em curso que resultou em níveis inéditos de crescimento econômico e interdependência entre as nações, cujas disparidades levaram a um mundo muito mais complexo e diferenciado.

Na literatura de relações internacionais, os emergentes se referem a países não-desenvolvidos que estão passando por rápidas mudanças estruturais (industrialização e melhoria no bem-estar) e institucionais e, portanto, em fase de transição para a condição de nações desenvolvidas ou avançadas. Os exemplos de mercados emergentes incluem os grandes países continentais, vários outros do Sudeste asiático, Europa Oriental, e em partes da África e da América Latina. Na verdade, países emergentes são um termo cunhado, em 1981, pelo economista Antoine Van Agtmael, então na Corporação Financeira Internacional (IFC)/Banco Mundial, para denominar países com economias de mercado que mantinham crescimento econômico sustentado, com reformas estruturais e institucionais, o que lhes possibilitaria chegar ao status de nações desenvolvidas.

Nos últimos anos, surgiram novos termos e critérios para descrever os maiores países em desenvolvimento, como a sigla BRIC, criada, em 2001, pelo economista Jim O´Neill do Banco Goldman Sachs, para designar os quatro países: Brasil, Rússia, Índia e China, os quais, conforme projeções demográficas e modelos de acumulação de capital e crescimento de produtividade, poderiam em conjunto se tornar a maior força na economia mundial no ano 2050. Estes países não compartilham agenda comum, mas alguns especialistas acreditam que eles estão desempenhando um papel crescente e promissor na economia e na política em nível mundial. Dada essa importância, um grande número de pesquisas sobre os emergentes está em andamento em diversas universidades e escolas de administração nos EUA e na Europa com vistas a melhor compreender os vários aspectos envolvidos no avanço dos países emergentes.

É difícil definir uma lista dos países emergentes devido à heterogeneidade dos países que estão registrando alto desempenho econômico. Uma das listas mais utilizadas é o índice do Banco Morgan Stanley que inclui como emergentes 28 países, distribuídos pelas seguintes regiões geopolíticas: i) América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru); ii) Europa Oriental (Hungria, Polônia, República Checa e Rússia); iii) Ásia e Pacífico (China, Coréia do Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Irã, Malásia, Paquistão, Tailândia, Taiwan e Vietnã); iv) Oriente Médio e Magrebe (Egito, Israel, Jordânia, Marrocos, Tunísia e Turquia), e África Subsaariana (África do Sul). Desse grupo de 28 países, dez deles (mais a Arábia Saudita) compõem o chamado Grupo dos 20 (G-20), um fórum de cooperação e de consulta sobre assuntos relacionados ao sistema financeiro internacional, que abrange os principais países do mundo no campo da economia, desenvolvidos e emergentes.

Os 28 países da amostra do Banco Morgan Stanley se estendem por 38% do território do Planeta, abrigam 63% da sua população e geram quase 30% da renda mundial. Como reflexo de seu dinamismo recente, esses países em conjunto respondem por mais de 30% das exportações e por mais da metade do estoque total de reservas internacionais, assumindo, portanto, a primazia como fonte provedora de capitais líquidos para o resto do mundo, inclusive os países avançados. Portanto, o mundo de hoje é radicalmente diferente do que era há pelo menos três décadas, quando era dividido em duas grandes regiões com distintos níveis de riqueza e prosperidade. Nesses dois campos tão distintos, as nações desenvolvidas (membros da OCDE), compreendendo principalmente os EUA, Comunidade Européia e Japão respondiam por 75% do PIB mundial, em 1975, mas apenas por 22% da sua população, cerca de 720 milhões de pessoas. O restante do mundo, com 2,6 bilhões de habitantes, fazia parte das nações em desenvolvimento, gerando apenas 25% da riqueza mundial.

Segundo salienta o ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, as economias emergentes – que ele chama "globalizadas" - representam um grupo de 27 países de renda média (incluindo China e Índia), com taxas de crescimento do PIB per capita acima de 3,5% ao ano e uma população total de 3,2 bilhões, ou cerca de 50% da população mundial. Esses países registraram crescimento econômico sustentado sem precedentes, que os capacita a complementar ou mesmo substituir ou os países avançados como forças motrizes da economia mundial. Os países “globalizadas” seriam, pois, um grupo vasto e difuso de países - em tamanho, geografia, cultura e política - que teriam aprendido a se integrar de forma crescente na economia global, e também a influenciá-la, para catalisar o seu próprio desenvolvimento. Para Wolfensohn, as potências tradicionais precisam acomodar a ascensão das economias emergentes - em particular, China e Índia - reformando a ordem internacional vigente. Os países avançados continuariam sendo protagonistas globais, mas à medida que aumenta o poder econômico dos países globalizadores, estes demandariam um papel de maior destaque nos assuntos internacionais.

Nos séculos anteriores, o curso da história mundial foi determinado em grande parte pelo que acontecia em apenas algumas regiões, particularmente na Europa e na América do Norte (ou seja, o chamado «Ocidente»). O demais continentes eram meros figurantes, sofrendo influência dos centros do poder ocidental. Mas hoje, a luta pelo progresso e a prosperidade, bem como as questões da guerra e da paz, estão sendo cada vez mais influenciadas por eventos que ocorrem em diversos lugares e em maior grau do que no passado. A presente era está sendo construída sobre uma economia e uma sociedade verdadeiramente globais, alimentadas pelo acelerado ritmo dos transportes, telecomunicações e tecnologias da informação. A humanidade não é mais dividida simplesmente em ricos ou pobres do "Norte-Sul" ou do "Oriente-Ocidente".

Os EUA e a Europa e demais nações industrializadas terão de chegar a um acordo sobre como passar o centro de gravidade da economia mundial para um mundo policêntrico. As implicações disso são duplas. Por um lado, o Ocidente tem de perceber que para avançar a sua agenda de bens públicos globais, particularmente em termos de combater as mudanças climáticas, a pobreza mundial, o crime e o terrorismo terá de envolver os países emergentes como parceiros iguais. No entanto, ao fazê-lo, deve proporcionar a esses países uma voz nas instituições mundiais que seja proporcional ao seu peso econômico relativo. O Ocidente deve estar preparado para quando esse momento chegar. Os países emergentes, por outro lado, precisarão agir de forma responsável no sistema internacional e para assumir responsabilidades de partes interessadas no sistema de estados-nações e blocos, terão de renunciar a medidas oportunistas que permitem ganhos de curto prazo em troca de perspectivas de ganhos globais no longo prazo.

Se esse dilema for resolvido com sucesso, o mundo poderá caminhar para um século de paz, estabilidade e prosperidade, onde todas as regiões e países tenham possibilidades de êxito, sem que nenhum fique alijado dos frutos do desenvolvimento. Todavia, para que isso seja atingido existem pelo menos três principais desafios a enfrentar: i) garantir um acordo mundial sobre mudanças climáticas, a fim de evitar o risco de sobrevivência da humanidade no futuro; ii) firmar um novo acordo sobre as regras do jogo no comércio e nas finanças, de modo a manter um sistema econômico multilateral aberto e eficiente, o que exigirá mais transparência e regulamentação mais eficaz; e iii) assegurar um reequilíbrio pacífico do poder econômico ao nível global, com a redistribuição do poder político pela recomposição das representações nos principais organismos internacionais a exemplo do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), o G-7, o FMI e o Banco Mundial.

Em suma, pode-se concluir que se torna indispensável uma reforma profunda nas instituições internacionais para que possam refletir mais fielmente e de forma efetiva a nova configuração de compartilhamento de poder entre países avançados e emergentes no seio do sistema internacional. A julgar pela recente reunião dos países do G-20 em Washington (em novembro passado) para discutir medidas concretas de combate à grave crise financeira internacional em curso, esse processo de incorporação dos países emergentes no processo decisório mundial estaria dando seus primeiros passos.

Quadro – Amostra de 28 Países Emergentes Selecionados (*):
peso geoeconômico no Mundo em 2007



Fontes: ONU; OMC; FMI e OCDE. Elaboração: o autor
(a) superfície em 1000 km2
(b) população em 1000 habitantes (2005)
(c) PIB em US$ bilhões correntes e a preços de mercado (2007)
(d) reservas no conceito liquidez internacional em US$ bilhões de 31/12/2007
(e) Exportações FOB em US$ bilhões (2007)
(*) Países emergentes incluídos no índice Morgan Stanley Capital International (MSCI).


 (*) Economista, mestre em Economia, ex-assessor internacional do Governo do Ceará (1995-2006) e doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: nbessa@unb.br.
 

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